quarta-feira, 2 de junho de 2010

Edison Boeira

EM BUSCA DA PALAVRA-CHAVE

Nome: Edison da Silva Boeira
Idade: 52 anos
Por que tem uma vida dupla? É chaveiro e poeta.


Em frente ao supermercado Zaffari da rua Fernando Machado há uma casinha de chaveiro diferente. Aquele que se aproximar irá perceber livros e poemas expostos no vidro do estabelecimento. Não estão lá por acaso. São de autoria do profissional que trabalha naquele ponto há trinta e um anos e atende pelo nome de Edison Boeira da Silva.


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Quem tem conhecimento dos dois ofícios de Edison, nem imagina que ele não costuma ler livros de romances, contos e tampouco poesia, preferindo jornais e revistas. Assim como não se consegue entender como alguém com o seu estudo seja capaz de tiradas tão boas. É no meio do trabalho, nos horários livres em casa, em alguma cena quotidiana que Edison Boeira encontra a sua inspiração. As muitas pessoas que passam diariamente em frente à casinha de chaves do nosso personagem da vez não sabem que se resolverem parar para uma fazer uma cópia ou uma troca de segredo, podem ficar ali por horas sem notar o tempo passar, envolvidas pela prosa do poeta-chaveiro.

Na escrita, começou por acaso. Um de seus filhos, jogador de futebol de salão, foi morar na Espanha. Para poderem se comunicar, seu filho lhe deu de presente um computador. Em princípio, Edison refutou a idéia; mas acabou cedendo, pois a comunicação via telefone estava muito cara. Assim, ele se viu obrigado a aprender o uso do serviço de mensagens instantâneas da web. Ao perceber que juntamente ao nome do usuário desse programa, poder-se-ia colocar uma frase, Edison se interessou e ficou pensando em uma de efeito para usar. Criada a frase, houve um
retorno por parte dos conhecidos, que passaram a lhe incentivar. A partir deste incentivo, ele não mais parou. Tudo isto há apenas três anos.

Como chaveiro, tudo aconteceu bem mais cedo. Aos nove anos, Edison ganhou de seu pai uma caixa de engraxate. Enquanto perambulava em busca de clientes, ele observava o trabalho de quem fazia chaves. Ele lembra que “naquela época, não havia casinhas de chaveiros, eles iam até as pessoas de Kombi”. Aprendeu todo o ofício sozinho, sem professores, faz questão de dizer. Até mesmo a lida com cofres Edison aprendeu na base da observação.

No âmbito familiar, casou cedo e precisou largar os estudos para sustentar a casa. Logo vieram os filhos, e com eles uma necessidade ainda maior de renda. Uma rotina bastante maçante para um garoto de somente dezesseis anos. Ao falar sobre isso, ele se mostra um tanto chateado de não ter completado o Ensino Médio, mas desdenha o caso, dizendo que se houvesse terminado os estudos, seria como todos os outros que escrevem. Com a artimanha de alguém experiente, nosso entrevistado faz de uma mágoa um diferencial.

O titulo de seu primeiro livro, “Escolhendo a chave certa, frases que nos levam a pensar”, define bem como Edison concilia suas duas habilidades. No momento em que se encontra fazendo chaves, ele conversa e presta especial atenção nas maneiras e falas das pessoas ao redor. Ao ser impactado por uma frase qualquer, solta no diálogo, ele já sabe o que fazer: anota e depois retrabalha de maneira mais rebuscada, em busca de um resultado mais belo. Edison soma tantas histórias que nem tem certeza do numero exato delas, mas sabe que passam de quatrocentas – entre prosa e verso. Devido a esta elevada criatividade, ele já publicou seu segundo livro, “O Poeta, o sapo, e o prato do dia”, e está elaborando o terceiro.

Mas o homem que estreou tarde nas letras e cedo a fazer chaves, é um só. Perguntado se considera-se uma pessoa com uma vida dupla, Edison é enfático e responde prontamente que não. Sua vida é uma só, independentemente de suas atividades e de quando iniciou nelas.




Antes de começar a escrever, já era conhecido por ser um chaveiro muito competente e um cidadão deveras popular. Sempre de bom-humor, atencioso e conversador, é querido por todos na zona onde mora e trabalha há mais de trinta anos. Com a inclusão no mundo das letras, essa relação só aumentou. Tanto que em 2008 foi escolhido como uma das personagens ilustres do centro da capital gaúcha.

Graças a um conhecido, que é oriundo da cidade de Vilhena, em Rondônia, Edison Boeira foi eleito membro da Academia Vilhenense de Letras. Já ganhou um Troféu de Poesia Mário Quintana, com a composição “Quimera”. Ele também faz parte da Associação Gaúcha dos Escritores Independentes (AGEI). Em janeiro deste ano, partcipou do I Fórum Latino-Americano de Literatura, no qual houve o II Encontro de Escritores do Mercosul, em Santiago.

Seguidamente é convidado para participar de coletâneas de poesia, gravação de discos com declamação de poemas, programas de rádio. Edison revela que o principal retorno desses acontecimentos é emocional, não financeiro. Fala com entusiasmo da vivência adquirida em viagens, da recepção por parte de quem lê e admira suas frases, seus versos.

Humilde, Edison reconhece que está no início de uma jornada criativa que leva muito tempo. Sabe que seus três anos de atividade poética são apenas os primeiros degraus que deve galgar para atingir um público e um reconhecimento maiores. Mas isso não parece ser, de maneira alguma, uma dificuldade para ele. Perfeccionista e persistente, ele devota seu tempo às chaves e às palavras. Serra e lima as primeiras, corta e seleciona as últimas.

Luciano Said Boeira Martins
Sobrinho e colega

Você acha que o Edison tem uma vida dupla?
Sim, antigamente ele trabalhava direto de segunda a sábado, das oito da manhã às sete da noite. Agora, por exemplo, tu vens amanhã e ele não está aqui. Ou vem duas vezes por semana, sabe? De vez em quando ele faz esse negócio com livro, né? Agora ele está tendo esse sistema duplo. Tem de deixar aqui para fazer alguma reunião do livro ou ir numa gráfica. Fazer um concurso de literatura ou expor, que nem na Feira do Livro. Ele tem de se dividir.

Como chaveiro, ele é meticuloso, perfeccionista?
É bastante. Persistente. Faz uns quarenta anos que ele é chaveiro. Só aqui (Rua Fernando Machado, 922, quase esquina com a Avenida Borges de Medeiros) ele está há mais de trinta anos. Ele é um dos primeiros chaveiros de Porto Alegre. Ainda nem existia a casinha (de chaveiro), era Kombi. Ele é tão persistente que, a maioria dos
chaveiros da redondeza, os mais antigos, quando não consegue resolver alguma coisa, manda para ele. Com ele, não tem não resolver. Se chegar com uma coisa que ninguém resolveu, ele dá um jeito.

Ele é muito conhecido, respeitado como chaveiro?
É. Se tu pegar um chaveiro da época dele ou um pouco mais para cá, uns vinte anos atrás, não tem quem não conheça.

Há quanto tempo ele está aqui na Rua Cel. Fernando Machado?
Trinta e um anos. Não tinha nem o Zaffari (supermercado Zaffari da Fernando Machado) e ele já estava aqui.

O Edison deixa transparecer que é um poeta? Ele usa palavras rebuscadas, diferentes no dia-a-dia?
Durante o dia ele fala normal. Quando ele vai fazer a poesia, ele faz o bruto, depois ele pega outra palavra, um sinônimo no dicionário, para ficar mais bonito, para ficar mais poético.

Como o Edison escreve seus poemas?
Durante o dia-a-dia ou em algum momento de retiro?
Ele escreve os livros dele do nada. Ele está olhando para a rua e vê alguma coisa ou alguém fala alguma coisa interessante, ele escreve num papelzinho. Depois vai montando a frase, no caso, a poesia. Isso é o dia todo. Não tem hora. Porque ele conversa muito. Gosta de conversar.

Onde ele escreve seus poemas?
Geralmente ele faz aqui. Depois ele pega uns bloquinhos e passa a limpo.

Como é quando você está sozinho no ponto, um cliente vem e se interessa pela poesia do Edison?
Eu explico que é meu tio, que escreve e tal. Dou um livro para eles ficarem olhando enquanto eu faço as chaves. Tem gente que pergunta onde compra. Já vendo aqui mesmo, ficam exemplares separados.

Onde o Edison vende seus livros?
Ele vai vendendo aqui. Por exemplo, se tu vens aqui e enquanto ele está fazendo a chave, tu começas a ler aqui e ele vê que tu estás lendo, ele já vai começar a declamar alguma coisa. Começa a declamar e tal, faz o cliente querer comprar.

Há quanto tempo você trabalha aqui?
Eu trabalho aqui faz onze anos.

O Edison mudou depois de começar a escrever?
Mesma coisa.

Ele tem o hábito da leitura?
Sim, eu e ele, direto. Livro e cruzadinha...

Você tem alguma poesia preferida dele? Ou em prosa?
Eu acho que ficou bem feita “A menina do sexto andar”, que é sobre a Isabela Nardoni. É uma história. Ele fez como se fosse o pai da guria.


Entrevista com Moacir Souza
Editor do livro “O poeta, o sapo e o prato do dia – Coletâneas do meu Pensar”

Você acha que o Edison tem uma vida dupla?
Sim, claro que sim. Ele é um capitalista por necessidade e um socialista pela humanidade em seu coração. São raros os poetas que não são socialistas. Boeira é uma regra, não uma exceção.

O que te chamou a atenção na poesia do Edison?
A urgência. Ele escreve o que observa nas ruas, nas calçadas, no seu ponto de trabalho.

Isso é muito raro, incomum?
Penso que do ponto de vista da História, as melhores histórias sempre estiveram relacionadas às vidas sociais das pessoas e não aos acontecimentos pessoais dos poetas.

Então o Edison possui o estilo dos poetas que escrevem as melhores histórias?
Não sei se são melhores ou piores, mas refletem as dores daquela comunidade, daquele solitário, de quem não enxerga nenhuma esperança no horizonte.
Acho que o Boeira, pelo seu ofício de chaveiro, abre cofres. Mas por sua vocação, por sua poesia, ele abre corações e encontra esperanças.

O Edison fala muito sobre estar trilhando um caminho em direção a se tornar mais conhecido, mais respeitado como poeta. Concordas?
O Brasil lê pouco, de modo geral, a poesia em último lugar, do ponto de vista das vendas. O mercado editorial brasileiro hoje está em plena expansão. Acho que poetas como Boeira têm uma vida de muito sucesso pela frente.
Porque não tergiversam, nem falam mentiras, apenas fotografam o que passa no coração de cada um que tenha dor no coração.
Os poetas são absolutamente necessários, ao contrário do que questionou Ivan Lessa.

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