quarta-feira, 14 de abril de 2010

Manuela Marcili

A GAROTA DAS ÁGUAS

Nome: Manuela Marcili
Idade: 24 anos

Por que tem uma vida dupla?
É remadora e Técnica em Hidrologia.

Quem pensa que ter duas vidas é fácil, está muito enganado. Manuela Marcili, 24 anos, é técnica em Hidrologia e remadora apaixonada pelo esporte. É a prova de que para conciliar duas carreiras é preciso muita dedicação.

Influenciada pelo irmão Marcelus Marcili, remador com participação em Olimpíadas, como a de Sidney, ela começou a remar aos quinze anos, ainda na época da escola. Mas no início o esporte não lhe encantou. Por achar uma atividade muito solitária, Manuela treinou apenas dois meses e depois afastou-se do remo. Com o passar dos anos, o esporte voltou a fazer parte de sua vida, mas como um exercício físico. Os vários treinos no Grêmio Náutico União fizeram com que se profissionalizasse no remo e a primeira impressão fosse deixada de lado. “Eu tinha um pensamento meio diferente. Agora acho melhor, porque tu não dependes de ninguém. Na adolescência a gente gosta de estar em grupo, mas hoje acho essa independência melhor. Eu posso fazer meu horário, não dependo de uma equipe inteira”, explica ela.
Formada em Técnica em Hidrologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), além de remadora, ela trabalha há dois meses na CORSAN com carga horária de oito horas diárias. Exercendo o seu ensino técnico no setor de esgotos, Manuela analisa projetos para todo o estado. Além disso, ela ainda cursa Bacharelado em Educação Física no Centro Universitário Metodista IPA. Para conciliar as duas vidas, Manuela adapta os horários do treino aos do trabalho e à noite cursa a faculdade. Por ter várias atividades, é destaque entre os colegas de trabalho. Rodrigo José Gomes, 32 anos, também Técnico em Hidrologia, trabalha com Manuela. Ele diz que admira muito a colega por conseguir se adaptar, além do remo e do trabalho, também os estudos. “É admirável ver que ela não desistiu de uma carreira só por ter entrado em uma área totalmente diferente”, elogia Rodrigo.
Para conseguir treinar, Manuela precisa pegar a barca às quinze para as sete da manhã no cais do Porto perto do Mercado Público (ver o mapa abaixo). O treino dura cerca de duas horas sendo que ela precisa estar no serviço às nove da manhã. Ela sai da Ilha do Pavão às quinze para as nove, pega a barca cuja travessia dura quinze minutos, vai de moto até o prédio do Banrisul, onde fica a Corsan, e bate o ponto às nove e três. O tempo é curto, mas ela consegue manter este horário de treino sem atrapalhar o trabalho. O treinador do Grêmio Náutico União, Marcello Varriale, 27 anos, diz que é normal os remadores terem outra atividade, pois quando a carreira no remo termina, é preciso ter outro ramo para seguir. Além disso, ele ressalta que uma atividade paralela ajuda, pois quando os atletas ficam focados apenas no treino, exigem demais do próprio físico, o que prejudica o desempenho final. “Quando acaba a carreira de remador, eles têm que ter outra coisa. Então tem uns que não estão inseridos no mercado de trabalho em turno integral, mas sempre buscam outra opção, até para gerar uma renda”, explica Marcello.


Visualizar Manuela Marcili Silva em um mapa maior

Confira as fotos do treino:



A carreira de remo exige bastante do atleta. Aos quinze anos, um remador de grande potencial pode vir a fazer cinco sessões de treino por semana. Com o passar do tempo, isso só aumenta. Aos dezoito anos, o treino deve ser de duas sessões ao dia, o que exige muita dedicação. No caso de Manuela, os treinos começaram tardiamente, como explica seu treinador: “Ela começou a remar tarde, foi no ano passado que ela começou a fazer um treino mais regrado. Como ela não passou por todas as fases, ainda tem muita coisa para acumular de aprendizado”.
Ao ser questionada se acha que tem duas vidas, Manuela responde que sim, pois além de ser uma atleta, o trabalho que executa é de área muito diversa do esporte. “É bem diferente. Na verdade, acho que ela é dividida não só porque sou atleta, mas porque faço Educação Física”, explica Manuela. Apaixonada pelo esporte, diz que só não escolhe o remo como uma profissão porque não proporciona estabilidade financeira: “Se o remo me trouxesse segurança, se pudesse comprar a minha casa, eu ficaria só com o remo, mas não dá, então busco uma atividade paralela”.
Veja abaixo o depoimento de Manuela:

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Mauro Castro

O CARA DOS MÚLTIPLOS TALENTOS

Nome: Mauro Edson Santana Castro
Idade: 43 anos
Por que tem uma vida dupla? É taxista e escritor.


Existem cerca de 10.200 motoristas de táxi em Porto Alegre. A maioria deles é muito falante, bem humorada e com várias histórias para contar. O que fez a diferença para Mauro Castro é que ele transportava para o trabalho o editor de um grande jornal popular de Porto Alegre. Eles conversavam sobre literatura, assuntos do cotidiano e, claro, sobre todos os acontecimentos inusitados na vida de um taxista. Com toda a sensibilidade e o faro para algo que possa virar notícia que um jornalista deve ter, Cyro Martins logo percebeu que os “causos” de Mauro poderiam ser um diferencial para o jornal. Perguntou ao taxista se ele poderia escrever uma dessas histórias e enviar para ele. O editor gostou muito da primeira história e pediu que Mauro, se tivesse mais delas escritas, enviasse para ele. Mauro escreveu mais algumas crônicas e mandou para Cyro, que o convidou para colaborar com o jornal quando tivesse algum texto. Assim começou a sua vida dupla: taxista (coloca o taxista em primeiro, ele pede) e escritor. Atualmente, ele tem uma coluna semanal no Diário Gaúcho – com quase 400 textos já publicados – um blog, o Taxitramas, e um livro já publicado.

Apesar de ser blogueiro, cronista, desenhista amador e até músico, Mauro não pensa que tem uma vida dupla, porque não acha que vive a vida de escritor. Escreve seus textos ali, dentro do táxi, entre uma corrida e outra. Algumas histórias são suas, outras são dos colegas, que frequentemente aparecem na coluna. O ponto de táxi é o lugar de encontro e conversas, onde os casos são contados. Ismar Castro, apelidado de Tinga, conta que já se acostumou com a fama do amigo e as entrevistas que são feitas no local. Outro amigo, Luiz Antonio Florindo – o Toninho – conhece Mauro há mais de 8 anos e não imaginava que ele tivesse todo esse talento para a escrita. Já Álvaro dos Santos Machado, conhecido como “Dedo duro”, sempre desconfiou da veia artística do colega e lembra da vez em que se envolveu em uma “quase-briga”, quando pegou um martelo e foi em direção a um sujeito. Mauro “descaradamente”, no outro dia, apareceu com um desenho de Álvaro com um martelo na mão. “Não era para ele estar trabalhando como taxista, era para ele ser desenhista, jornalista”, opina “Dedo duro”. Quando jovem, Mauro até pensou em ser jornalista. Fazia fanzines (espécie de jornal amador) com os amigos, mas nunca escreveu regularmente. Acabou comprando o táxi e gostando da profissão, pela possibilidade de trabalhar por conta própria e de fazer seus próprios horários. Não trocaria a profissão de taxista pela de jornalista, como poderia ter ocorrido quando foi convidado por Cyro Martins para trabalhar no jornal. Na época, havia a exigência do diploma de jornalismo e o taxista preferiu não fazer o curso. “É o táxi que paga as contas lá em casa. Acredito que o jornalismo não me daria a mesma remuneração que o táxi”, explica Mauro.

Veja as fotos da entrevista:



Quando se depara com a pergunta “Você escreve bem?”, o cronista hesita um pouco, mas acaba deixando a modéstia de lado e declara que sim. Acredita que o escritor bom não é só aquele que tem talento, mas que também pratica constantemente, cada vez mais aperfeiçoando a escrita. Algumas histórias acontecem com ele e outras ele coleta com colegas, edita, coloca uma pitada de ficção. A maioria delas são de passageiros que pegam táxi no ponto onde ele fica, na Rua Saldanha Marino com a Av. Getúlio Vargas (ver o mapa abaixo), por isso Mauro tem o cuidado de trocar os nomes, para não “se incomodar”. Ele conta que algumas histórias são muito peculiares e os passageiros acabam identificando que aquilo aconteceu com eles. Alguns reclamam, outros gostam. Já aconteceram casos engraçados (para nós, pelo menos), como o de uma mulher que descobriu, através de um dos textos que era traída pelo marido. Alguns ainda duvidam da veracidade das crônicas e sempre tem um para perguntar se aquilo é verdade mesmo.


Exibir mapa ampliado

Quando se acha que o taxista/escritor não poderia ter uma vida mais movimentada, ele ainda declara que é músico. Toca teclado em duas bandas – uma que se apresenta em casamentos, Claves em Sol, com o predomínio de músicas clássicas, e outra chamada Banda Larga, com um estilo pop. “Dedo duro” estava mesmo certo, Mauro deveria estar trabalhando como artista. Porém, sem sua vivência de taxista, ele não teria todas essas histórias para contar e poderia ser um artista medíocre. Embora Mauro não ache que tenha uma vida dupla, dá para perceber que ele não nasceu para ter uma vida só.

Confira trechos da entrevista em vídeo:




Passageiros Virtuais


Com tantos blogs sobre assuntos diferentes disponíveis na Internet, conseguir manter leitores assíduos é uma grande dificuldade. Achar um diferencial é um desafio para o blogueiro e Mauro Castro conseguiu isso: tem mais de 240 seguidores no Taxitramas. Além disso, possui os leitores de sua coluna semanal no Diário Gaúcho, que muitas vezes também migram para o ambiente eletrônico. Esse é o caso de Ricardo Mainieri, 49 anos, que assim como Mauro tem mais de uma profissão – é publicitário, servidor público e poeta nas horas vagas. O que fez com que Ricardo se tornasse leitor fiel de Mauro foi “principalmente o senso de humor e as estórias insólitas. E admiração por alguém com uma profissão mais operacional detentor de um bom nível de escrita”.

Questionado sobre se gostaria de ser um personagem de alguma história do taxista, o leitor afirma que prefere o anonimato. Ao contrário de Clarice De Marco, bancária aposentada e seguidora do trabalho de Mauro há aproximadamente quatro anos, que sonha: “E quem não gostaria de virar personagem?” Ela conheceu o texto do escritor através do blog e já teve a oportunidade de encontrá-lo pessoalmente. Inclusive, ela gostaria que a história do encontro dos dois fosse contada por Mauro. Para ela, o texto é o principal trunfo do taxista: “A narrativa dele é concisa, ritmada, surpreendente muitas vezes. Talvez por lidar diariamente com pessoas, ele desenvolveu essa sensibilidade para captar os sentimentos delas e transformar isso em histórias tristes, hilárias, curiosas. O texto dele é leve, agradável, pessoal. Quando se começa a ler, é como se estivéssemos dentro do carro com ele. Pra mim isso é conexão com o leitor”.

Bem-vindo a Uma Vida Dupla

Somos Bolívar Abascal Oberto, Gabriel Araujo, Juliana Vencato, Liane Fraga e Natacha Gomes. Cinco estudantes de Jornalismo da PUC-RS que manterão esse blog com reportagens sobre pessoas que conciliam duas carreiras - sejam elas por hobbie, talento, necessidade ou quaisquer outros motivos. Pretendemos mostrar as várias faces de diversas vidas duplas, além das consequências sofridas por quem convive com essa duplicidade (boas ou más). Aproveite e acompanhe as histórias que publicaremos, será um presente para nós obter a sua visita e os seus comentários - seja se identificando com alguma história ou apenas curtindo-as.